[Resenha] Aconteceu por Acaso – Gabriela Ofredi

 



AUTORA: Gabriela Ofredi

EDITORA: Independente – Lançado na Amazon. (Adquira aqui)

PÁGINAS: 432

 

          SINOPSE: “Eu precisava melhorar e sabia disso. Orlando, meu primo, só estava exigindo uma reação minha. Ele tinha razão ao dizer que o que aconteceu no meu passado não poderia ditar o ritmo do meu futuro. E, ali, naquele novo país, depois de ter visto o cara mais bonito, eu precisava fazer algo para mostrar a Orlando que eu deixaria aquele episódio terrível para trás. Só precisava descobrir uma maneira de deixar minha timidez e tristeza de lado e ser menos eu.”

Acidentes mudam a vida de qualquer pessoa, mas Manuella nunca esperou que um acidente como aquele pudesse mudar tanto o modo como ela via o mundo ao seu redor, afinal ela pensava que dor ne-nhuma seria pior do que ser rejeitada pelos próprios pais.

Amargurada pela culpa que carregava e pressionada pelo primo, Manu vê sua chance de melhorar depois de se mudar para Los Angeles e de conhecer Caleb, um belo rapaz moreno. Mas nenhum romance é só flores e sorrisos...

Acompanhe o caminho sinuoso que o amor desses jovens percorreu e descubra se um coração fe-rido é capaz de esquecer as mágoas do passado, cicatrizar e voltar a bater como um novo, em Aconteceu Por Acaso.


            Manuella é uma jovem brasileira prestes a completar dezoito anos que vive sob a guarda do seu primo mais velho, Orlando, um promissor ator americano. Avessa aos holofotes desde que sofreu decepções com amizades quando era uma aluna popular de um internato em Londres, passa a comporta-se de maneira reclusa e o mais discreta possível nos corredores do seu atual colégio em Los Angeles - EUA, onde é estudante do último ano do Ensino Médio.

       Por não conseguir superar o passado trágico, Manuella é uma garota muito insegura, e sua instabilidade emocional afeta diretamente as suas relações interpessoais, muitas vezes conflituosas, e principalmente a sua relação com o seu próprio “eu”, com a sua própria identidade.

 

“É idiotice pensar assim, eu sei. Mas, fala sério! Sou eu! E eu sou movida à base de idiotices.”

“E se hoje estou vivendo esse amor é porque algo de certo eu fiz para merecer.”

“Eu sabia que nós iríamos brigar por causa dessa porcaria chamada ciúme e também por causa da minha insegurança, que eu nunca conseguia manter num nível tolerável.”

 

Quando conhece Caleb, um rapaz que a atrai de maneira imediata e por quem se apaixona perdidamente, a protagonista questiona-se muitas vezes sobre o seu merecimento no que diz respeito à felicidade. Nota-se uma teimosia autodepreciativa constante em uma roda muito complexa de inferioridade. Os fardos que carrega, em forma de sentimentos de culpa e de amargura são muito pesados para uma menina tão jovem. Sempre intensa, e até ingênua, a protagonista demonstra também uma capacidade surpreendente de perdoar seus algozes, já que tudo o que mais almeja é sentir-se amada e querida e, consequentemente, encontrar a felicidade na calmaria das relações verdadeiras.

 

 "Odiar algo ou alguém requer muito esforço, rancor, raiva, mágoa e tudo o que há de pior dentro de si.”

 “Eu sei que você tentou ao máximo cumprir com a sua promessa, mas todo ser humano é falho. Todos nós somos.”

 

      Conforme o desenrolar da história, acompanhamos todo o processo de autoafirmação e de amadurecimento de Manuella em suas tentativas de superar os traumas do seu passado turbulento e os sentimentos de abandono, de não-compreensão e de não-pertencimento. A lacuna deixada pela ausência dos pais é de certa forma parcialmente preenchida pela figura fraternal do primo, a quem admira pela capacidade genuína de oferecer acolhimento e cuidado a quem precisa. Talvez por isso tente demonstrar sua gratidão assumindo responsabilidades muito acima do que se espera de uma jovem da sua idade.

Esse senso de responsabilidade traz, além do sentimento de pertencimento, uma necessidade quase latente de maternar todos a sua volta, em uma tentativa de mascarar e de suprir a sua própria carência afetiva. Durante todo o enredo, percebe-se a maternidade sendo expressada através da presença de crianças, sempre no plural, narradas com muito entusiasmo e alegria e deixando rastros sutis de onde encontra-se a chave para a cura das suas feridas e das suas frustrações.

 

“É mais fácil enxergar aquilo que está do lado de fora de alguém do que conhecer o que essa pessoa carrega no coração.”

“Sabe que eu estarei aqui, não importa o que aconteça, não sabe? Quantas vezes vou precisar dizer isso para que entenda?”

“...nossos fantasmas sempre vão voltar a nos assombrar, enquanto não tivermos coragem suficiente para batermos de frente com eles.”

 

            É nesse momento em que a narrativa parece ganhar nuances autoficcionais, quando os sentimentos da própria autora se mesclam aos da personagem Manuella, talvez como um espelho dos seus próprios anseios. Gabriela/Manuella se fundem ao exaltarem as relações afetivas e maternais dentro do contexto familiar, onde têm a necessidade vital de que os laços sejam sempre muito fortes e intensos. A superficialidade incomoda e gera a sensação de exclusão e de perda, que insiste em corroê-la(s).

 

“Era tão bom sentir seu abraço, sentir que ele estava lá por mim, sentir seu cheiro, sentir a pele macia e quente, mas, principalmente, sentir que ele me protegeria de todo mal que me afligisse.”

“Não consigo enxergar um futuro onde você não faça parte da minha vida.”

“Parece que cada vez que você divide algo do seu passado ou um sonho para o futuro você traz a pessoa cada vez para mais perto, e esse perto nunca é suficiente.”

 

“Aconteceu por Acaso” possui 54 capítulos e um epílogo. Predominantemente narrada por Manuella, a história também ganha alguns capítulos sob o ponto de vista de Caleb e de Orlando, o que permite ao leitor conhecer um pouco melhor as motivações dos respectivos personagens. O “acaso” do título soa leve e despretensioso quando se leva em consideração o emaranhado trágico – com momentos de reviravolta – que movimenta a trama, desde assalto e acidente de carro a incêndio criminoso. Após 60% de leitura os capítulos ficam mais curtos e, à medida que as situações saem da zona problemática e incerta e vão ganhando de fato um viés mais enfático e decisivo, ocorrem vários pontos altos de muita ação.

Os personagens têm suas personalidades bem marcadas e expressivas em um maniqueísmo evidente, tanto através dos diálogos quanto da percepção do narrador. Suas fraquezas humanas, com destaque para os personagens masculinos, são um ponto muito predominante na escrita da autora bem como as marcas pessoais e regionais (no caso, carioca) presentes no texto, como o uso de artigo definido (o, a) antes dos nomes próprios (de pessoas) indicando familiaridade e intimidade, por exemplo.

 

“As surpresas no caminho nem sempre eram boas, mas serviam para nos fortalecer, ensinar e amadurecer. O importante mesmo era viver, não ter medo de fracassar, dar a cara a tapa e ter fé em todas as situações. Afinal, ‘se ainda não está tudo certo é porque não chegou ao fim.’”

“É primordial estar disposto e saber erguer a cabeça a cada adversidade.”

“Cuide do seu coração, pois ele é o bem mais precioso que possui.”

 

A escrita de Gabriela é bastante intuitiva. Sua narrativa toma forma e evolui à medida que entrega ao leitor seu vocabulário apreendido em anos de leitura e horas exercitando e desenvolvendo sua aptidão para contar histórias. Assim como a borboleta azul que invade a sala da casa de Manuella e simboliza sua metamorfose, Gabriela também amadurece experimentando o prazer do pertencimento como autora. É através da sua escrita que, claramente, busca encontrar alívio para suas dores emocionais e respostas para os seus questionamentos e incertezas.

É através da escrita que Gabriela ganha asas de borboleta.

                                                   

                                                          Por Lu Muniz, autora do romance “Doce Inocência” (Adquira aqui)


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