
Esse
é só o começo...
Em
pouco tempo, as mulheres também são impedidas de trabalhar e os professores não
ensinam mais as meninas a ler e escrever. Antes, cada pessoa falava em média 16
mil palavras por dia, mas agora as mulheres só têm 100 palavras para se fazer
ouvir.
...mas
não é o fim.
Lutando
por si mesma, sua filha e todas as mulheres silenciadas, Jean vai reivindicar
sua voz.
“Uma
recriação apavorante de O conto da Aia no presente e um alerta oportuno sobre o
poder e a importância da linguagem.” – Marta Bausells, ELLE.
AUTOR: Christina Dalcher
EDITORA: Arqueiro (SP,
2018)
PÁGINAS: 320
“Minha culpa começou há duas décadas,
na primeira vez que eu não votei...”
“Vox”,
de Christina Dalcher, é uma distopia que nos parece assustadoramente atual quando
comparada aos períodos conflitantes de alguns países e seus respectivos
governos. O texto, minuciosamente bem escrito por uma linguista, conta a
história da Dra. Jean McClellan, uma das neurolinguistas mais conceituadas do
seu país, que tem a sua fala diária limitada a cem palavras por um governo totalitarista.
“Pensem em expressões como ‘permissão
do cônjuge’ e ‘consentimento paterno’. Pensem em acordar um dia e descobrir que
não têm voz em nada.”
Assim
como em “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood, todo o esquema que visa silenciar
a voz das mulheres – inclusive meninas e bebês do sexo feminino – não acontece
da noite para o dia. Tanto os direitos perdidos quanto as novas leis vão gradativamente passando a fazer parte da
nova realidade. Novas disciplinas com aparência inofensiva também passam a
fazer parte do currículo escolar dos meninos, incentivando-os a enxergarem o
patriarcado como centro da nova nação fanática-religiosa. Isso faz com que as
mulheres sejam vistas apenas como objeto de procriação e sofram castigos
brutais quando violam as regras impostas pela nova sociedade, incluindo o uso
da língua de sinais.
“As prateleiras das farmácias onde
ficavam as caixas de camisinhas estão cheias de fórmulas para bebês e fraldas.
Uma substituição lógica”.
Talvez
a regra mais importante seja o uso dos contadores, uma espécie de pulseira que
conta as palavras oralizadas e que, a partir de cem, começa a infringir choques
cada vez mais fortes, a ponto de ocasionar queimaduras graves, perda do braço
ou levar à morte. E talvez seja exatamente isso que o governo quer: matar todos
que se rebelem e que estejam à margem. Exterminar todos aqueles que não sejam
considerados “Puros” – com o P maiúsculo dos broches que muitas pessoas que
compactuam com a nova realidade usam com orgulho. Por isso, não é difícil para
a protagonista constatar a ida de homossexuais, traidores, pecadores em geral e
qualquer outra pessoa que vá na contramão dos ideais do governo marcharem rumo
aos campos de trabalho forçado. Dessa forma, é inevitável fazer uma ponte com o
regime nazista, que foi responsável por um dos genocídios mais cruéis da
História da humanidade.
“Os monstros não nascem assim, nunca.
Eles são feitos, pedaço por pedaço e membro por membro, criações artificiais de
loucos...”
A
Dra. Jean narra sua trajetória na primeira pessoa do presente e, vez ou outra,
faz cortes nesses discursos para transitar pelo seu passado, explicando fatos
importantes para o andamento da narrativa. Esse recurso dinâmico pode ser
recebido com um pouco de estranheza por leitores que não estão familiarizados,
deixando-os um pouco perdidos entre os flashbacks
e o tempo presente, o que requer um pouco mais de atenção e dinamismo na
leitura.
Os
percalços de Jean vão além de sua impossibilidade de falar e se expressar. Ela
é proibida de exercer sua profissão, “empurra com a barriga” um casamento que
desandou há algum tempo e, entre as tarefas domésticas que faz sem nenhum
talento, sofre ainda mais por ver a sua filha de cinco anos, a única menina de
quatro filhos, ter a sua aquisição à linguagem limitada.
É
em meio a esse mar de limitações e indignação – da protagonista e também dos
leitores – que o imprevisível acontece. Aparentemente, o irmão e braço direito
do presidente da república sofre um acidente e tem uma importante área cerebral,
responsável pela apreensão e compreensão das palavras, afetada e comprometida. É
claro que, diante da genialidade da Dra. Jean, que anteriormente vinha
desenvolvendo em laboratório um soro antiafasia, o governo acaba se rendendo ao
seu trabalho e “convidando-a” a retomar suas tarefas. Como bônus pelo seu
serviço prestado, tanto ela quanto sua filha Sonia, teriam os contadores
retirados pelo tempo estipulado para determinar a eficácia do soro.
É
a partir desse momento que a história passa assumir um caráter muito
empoderador feminino, com muitos questionamentos que perpassam as questões do
corpo, da maternidade, do casamento, da profissão, da figura da mulher na
sociedade e na política, do direito de fala e de expressão. Jean vai à luta,
capaz de fazer literalmente qualquer coisa para mudar o seu destino, o da sua
filha e o de tantas outras mulheres, em um retrato muito atual da importância
do exercício diário de se gritar por igualdade e respeito, de não se calar
diante de políticas que tentam engolir direitos e incitar a violência doméstica
e sexual.
“... é por isso que o modo antigo não
funcionava. Sempre há alguma coisa. Sempre há alguma criança doente, uma peça
de teatro na escola, cólicas menstruais ou licença-maternidade. Sempre havia um
problema.”
“Vox”
é, sem dúvida, um livro que dialoga sobre possibilidades, que convida o leitor
a refletir sobre possíveis consequências de um voto anulado ou mal creditado, que resultaria em um governo venenoso e com péssimas intenções.
“Vox”
não é um livro meio-termo. É um livro cheio. É um livro que transborda. E tudo
o que transborda está pronto para ser partilhado e compartilhado. E a principal
lição que ele nos ensina é que, sim, o silêncio pode ser ensurdecedor.
Caramba! Nem me imagino nessa situação... Interessante, fiquei curiosa pra ler!
ResponderExcluirLeia sim. Recomendo muito! Já entrou para minha lista de queridinhos.
ExcluirEu preciso muito ler esse livro! Preciso mesmo mesmo mesmo! E essa resenha só veio para me mostrar ainda mais isso.
ResponderExcluirÉ assustador pensar que se não nos posicionarmos agora, pode ser que algo parecido aconteça num futuro próximo. Precisamos aprender a votar e precisamos saber a importância que cada mínimo voto tem no futuro de cada pessoa do país.
Resenha maravilhosa demais!!!!!!
PRECISA, Gabi! É maravilhoso demais em todos os quesitos.
ExcluirMuito obrigada pelo elogio e pelo carinho. Bj grande.
Sempre perfeita usando as palavras! Amei a resenha e fiquei instigada com o conteúdo do livro. ❤️
ResponderExcluirAh, muito obrigada!!! É sempre um prazer para mim expressar o que sinto através da escrita. E quando um texto meu toca alguém, eu me realizo.
ExcluirLeia esse livro assim que vc puder! Ele com certeza entrou para minha lista de preferidos.
A maneira como a resenha é escrita me parece impecável! Instigante história, deu para sentir a agonia que isso causaria. Um amor por livros que transbordam <3
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