[RESENHA] Felicidade Clandestina - Clarice Lispector

 

NOTA:

Hoje, dia 10 de dezembro de 2020, seria comemorado o centenário de Clarice Lispector. Nossa diva da Literatura faria 100 anos, minha gente! Mas ela infelizmente nos deixou, há 43 anos, um dia antes de completar 57 anos, vítima de câncer.

Clarice nasceu na Ucrânia, enquanto seus pais, judeus russos, fugiam do antissemitismo resultante da Guerra Civil do país. Foi criada no Recife, em Pernambuco, no Brasil. Casou-se, teve filhos, tornou-se uma das figuras mais influentes no Modernismo Brasileiro e deixou como legado uma extensa obra literária.

Em homenagem ao centenário, o Garotas Devorando Livros trouxe à luz a resenha de uma de suas obras mais emblemáticas: “Felicidade Clandestina” (publicado em 1971), analisando mais atentamente o conto de mesmo nome.

Esperamos que gostem! Não se esqueçam de deixar um comentário gentil no final da página. Responderemos a todos.

Salve Clarice!



SINOPSE de “Felicidade Clandestina” (Para ler o livro na Amazon, clique aqui):

 

Nesta coletânea de vinte e cinco textos reúnem-se alguns contos e crônicas publicados nos livros “A legião estrangeira”, “Para não esquecer” e “A descoberta do mundo”. Temas caros ao universo clariceano estão presentes neste livro: a relação mágica com os animais, a descoberta do outro, as inúmeras possibilidades de se escrever uma história, a presença do inesperado no cotidiano previsível. Nos textos de cunho autobiográfico é possível flagrar, por exemplo, momentos da infância marcados pelos sentimentos mais diversos; da euforia das descobertas ao choque das frustrações, como em “Restos do carnaval” ou em “Cem anos de perdão”.

 

Autor(a): Clarice Lispector

Editora: Rocco, 1998.

Páginas: 160 páginas

 


           "Felicidade Clandestina" é uma obra que reúne vinte e cinco textos escritos por Clarice Lispector ao longo de sua vida. Alguns deles foram publicados anteriormente como crônicas na coluna para a qual escrevia no Jornal do Brasil. Mas, assim como os outros textos que configuram a obra em questão, também podem ser classificados como contos, já que Clarice não se prendia a nomenclaturas, convenções de gêneros e movimentos literários.

          A obra aborda diversos temas que vão desde questões rotineiras e familiares até viagens ao mais profundo do ser humano, o que faz com que uma das principais características de seus textos seja a introspecção. Suas narrativas são carregadas de subjetividade, e através de fluxos de consciência intensos, desordenados e, muitas vezes, complexos, seus personagens vão construindo suas identidades. Todo esse processo se desencadeia por meio da epifania, que nada mais é do que a revelação súbita de uma verdade, a compreensão de algo em sua essência.

        Esses processos mentais desordenados dos personagens trazem a profundidade existencial que permeia toda a sua obra, proporcionando análises com um viés psicológico: o leitor, por meio dos seus próprios pensamentos e divagações, acaba por fazer viagens ao mais profundo do seu “eu”.

          Um dos contos/crônicas que mais tem destaque é o que dá nome ao livro: Felicidade Clandestina. Narrado em primeira pessoa e de cunho autoficcional, Clarice conta a primeira experiência de uma menina com um livro (Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato), que lhe é prometido irritante e diariamente pela sua colega de classe, dona do exemplar, em uma tortura psicológica quase asfixiante. Dia após dia, a incansável menina tenta o empréstimo, mas é frustrada com desculpas esfarrapadas.

 

“Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.”

 

            Um dia, no entanto, a dona do livro, “a menina má”, é desmascarada pela mãe e o exemplar finalmente é entregue a protagonista da história que passa a saboreá-lo lentamente, como se fosse um amante, a fim de prolongar a sua felicidade por tê-lo por tempo indeterminado. Para ela, pareceu impossível descrever o que sentia diante do poder de possuí-lo e, se quisesse, devorá-lo. Assim, a menina finge não tê-lo e, quando volta a permitir-se pensar nele e lê-lo, reconhece a clandestinidade do seu próprio sentimento.

 

            “Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.”

 

            Amar os livros e não ter acesso a eles fazia com que a protagonista desse, em seu contexto, adjetivos pejorativos à colega, que era filha de dono de livraria, mas que não merecia os livros por não amá-los, por não valorizar a vantagem de tê-los. O acesso à leitura e aos livros é para a narradora a sua felicidade clandestina, o seu direito quase ilegal de sentir felicidade por possuir algo que de fato não é seu, isto é, o livro como símbolo de sabedoria e conhecimento, considerado com equívoco como um “privilégio” aos menos favorecidos economicamente.

            Assim como a menina tece sua felicidade fingindo que não tinha um livro, esquecendo-se dele e criando dificuldades falsas só para fingir que tê-lo era ilegal, nós, meros leitores, fingimos que ainda temos Clarice em carne e osso, por vezes esquecida falsamente para se ter a surpresa e a felicidade de tê-la, em êxtase, imortalizada em sua escrita.

            Viva Clarice!

            Clarice vive.

           

 

                                                                                Por Lu Muniz, autora do romance “Doce Inocência”.

                                                                                Para ler seu livro, clique aqui.

9 comentários

  1. Simplesmente amei, como tantas outras resenhas maravilhosas aqui! Parabéns ❤️👏🏻

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    1. Que bom que você gostou! É um prazer ter vc por aqui curtindo as resenhas do blog. Todas nós escrevemos com muito carinho!

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  2. Amo Clarice! Meu livro preferido é Onde estivestes de noite.
    Resenha incrivel!
    Sem palavras, mas meu coração grita diante de tanta profundidade

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    1. Clarice é realmente incrível, Rita! Fico muito feliz por ter tocado seu coração de alguma forma😍

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  3. Amo Clarice! Meu livro preferido é Onde estivestes de noite.
    Resenha incrivel!
    Sem palavras, mas meu coração grita diante de tanta profundidade

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  4. Resenha incrível! Confesso que sempre tive certo receio de Clarice por causa dessa característica subjetiva, mas impossível não sentir certa curiosidade com essa resenha <3

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    1. Eu sempre aconselho a começar pelos contos. A escrita dos romances de Clarice pode causar estranheza para quem nunca leu nada dela, sim. Mas mergulhe sem receio, ela é maravilhosa!

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